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Além do Ponto Final

Além do Ponto Final

Sab | 12.09.20

Pão de Açúcar, de Afonso Reis Cabral

Comprei este livro na Feira do Livro de Lisboa do ano passado e andei meses a adiar a sua leitura. Não sei por que razão, passava a vida a pôr livros à frente deste na fila e, só quando vi que vinha aí a edição de 2020 da Feira do Livro é que ganhei vergonha na cara e peguei nele, finalmente. Também porque estou empenhada em começar a ler mais autores portugueses. Mas ainda bem que o fiz. Afonso Reis Cabral traz-nos um livro fluído e com uma história capaz de nos absorver durante o tempo que dedicamos ao livro.

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Pão de Açúcar traz-nos uma história ficcional sobre as últimas semanas de Gisberta Salce Júnior, transexual brasileira que foi brutalmente assassinada em 2006. Para os mais novos (eu incluída), o Caso Gisberta chocou o país há 14 anos, quando o seu corpo foi encontrado nu da cintura para baixo e brutalmente espancado. Gisberta tinha sido espancada e violada ao longo de vários dias por um grupo de adolescentes, todos com menos de 16 anos e quase todos sob tutela da Oficina de São José, e que ao fim de cerca de um ano, estavam em liberdade.

Aquilo de querer que os outros vissem como ele, no fundo, é o que toda a gente quer: que os outros nos compreendam

Foi neste caso que Afonso Reis Cabral se baseou para escrever o seu romance não ficcional. Conhecemos Rafa (Rafael Tiago), que encontra Gi na cave do Pão de Açúcar, uma mulher presa num corpo de homem, prostituta, toxicodependente, sem-abrigo e a sofrer com SIDA. Depois desta descoberta, Rafa acaba por contar aos amigos e, durante semanas, visitam Gi e levam-lhe comida à hora de almoço. À medida que vamos conhecendo a estranha relação dual entre amizade e repulsa que os três rapazes desenvolvem com Gi, conhecemos também o dia-a-dia nada fácil das crianças que viviam na Oficina de São José, uma vida à margem e cheia de tédio, o que acabava por os levar por maus caminhos.

Admito que, ao início, me pareceu que a história estava meio parada, como se o autor estivesse só a empatar. Até me aperceber que era eu que tinha percebido mal a premissa do livro, porque achei que ia ser mais sobre o caso em si, que sobre o que o precedeu. Ultrapassado este desentendimento, comecei a ficar totalmente agarrada à narrativa, às personagens, à vida que elas levam e à história em si. A escrita de Afonso Reis Cabral é fantástica e fluída, demonstrando que, apesar de ser mais novo que o costume, apresenta uma escrita extremamente madura.

Passáramos a guardar um pedaço de nós um no outro, éramos cofres frágeis que ameaçavam quebrar

Um capítulo a seguir ao outro, vamos conhecendo a forma como os acontecimentos se vão desenrolando até chegar ao desfecho trágico que todos conhecemos. Mas desengane-se quem ache que o facto de sabermos o final o torna menos doloroso, porque não torna. É um livro extremamente pesado, com um final triste, que acaba por também moldar todo o ambiente da história, já que o ambiente em que Gi vive é deplorável.

Resumindo, adorei este livro. Estou muito contente por ter insistido comigo mesma para ler mais autores portugueses e Afonso Reis Cabral, em concreto. Foram dois dias completamente possuída pela história, e mais umas horinhas para a processar, e foi um livro incrível. Não sendo um livro que vai diretamente para a minha lista de favoritos, é uma leitura muito boa e que aconselho completamente!

              

Avaliação: 7,5/10