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Além do Ponto Final

Além do Ponto Final

Dom | 18.04.21

Se Esta Rua Falasse, de James Baldwin

Finalmente me estreei com James Baldwin, um escritor que queria ler há muito tempo! Sinto que não tive uma experiência tão boa como a que esperava por duas razões, primeiro porque já tinha visto o filme e, embora isso normalmente não me incomode, neste caso acho que influenciou um pouco o tipo de leitura que fiz. Além disso, li o livro em português e também sinto que a escrita do autor é daquelas que se perde muito em traduções. De qualquer das maneiras, foi uma boa leitura!WhatsApp Image 2021-04-18 at 19.29.27.jpeg

Em Se Esta Rua Falasse, vamos conhecer Fonny e Tish, dois jovens afro-americanos, que se conhecem desde crianças e vivem na New York racista dos anos 70. Grandes amigos desde a infância, a sua amizade acaba por evoluir para algo mais e Tish e Fonny planeiam um futuro juntos. Até ao dia em que Fonny é acusado injustamente de violar uma rapariga e acaba por ser preso. Mais ou menos na mesma altura, Tish percebe que está grávida e decide fazer tudo o que está ao seu alcance para tirar o noivo da cadeia a tempo de poder ver o nascimento do filho.

Ele não era o preto de ninguém. E isso é crime nesta porcaria de país livre. Devemos ser o preto de alguém. E, se não formos o preto de alguém, somos um mau preto

Se Beale Street (o livro em inglês chama-se If Beale Street Could Talk) falasse, seria esta a história que contaria. E posso-vos dizer que é uma história comovente, e ao mesmo tempo muito frustrante. James Baldwin tem uma escrita incrivelmente própria e leva-nos ao longo das suas páginas, de forma muito informal, pelos acontecimentos que levaram à prisão de Fonny. Gostei muito da forma simples como escreve e, apesar de às vezes ser confuso, sinto que forma como vai intercalando a história entre passado e presente, acaba por dar uma nova magia ao livro.

Este livro foi publicado em 1974 e fala-nos, através do amor infindável de Tish por Fonny, do racismo que se fazia sentir na altura nos Estados Unidos. Sabem o que foi mais assustador nesta leitura? Pensar que este livro tem quase 50 anos e poderia ter sido publicado hoje porque, infelizmente, continua atual. O autor desmascara as inúmeras injustiças por que milhares de afro-americanos passavam (e continuam a passar) no seu dia a dia. Quando tentam procurar um apartamento, estes dois jovens têm imensa dificuldade em arranjar um inquilino que os aceite. Tish é assediada várias vezes enquanto anda sozinha na rua. E acima de tudo, Fonny vai preso por um crime que não cometeu e as testemunhas que o podem defender, desaparecem misteriosamente. Foi revoltante ler este livro. Foi revoltante ver pelo que estas famílias passam para tentar tirar Fonny da prisão, o quanto estas pessoas se esforçam para tentar salvar uma pessoa inocente das garras da “justiça”, que não quer saber se ele é inocente ou não, só quer saber da sua cor de pele. 

Nem o amor nem o terror nos tornam cegos : é a indiferença que nos cega

Como deu para perceber, foi um livro que gostei e que mexeu comigo, apesar de ter sentido que faltou alguma coisa para conseguir dizer que tinha adorado. Apesar disso, acho que é uma leitura muito atual e uma história de amor bonita e, por isso recomendo muito a sua leitura!

                  

Avaliação: 7/10

Ter | 13.04.21

The Song of Achilles, de Madeline Miller

Há muito tempo que me queria aventurar em livros com mitologia e, embora fosse um pouco “de pé atrás”, devo dizer que este se tornou num novo favorito do ano e, possivelmente, num dos favoritos da vida. Há uns anos tentei ler American Gods, de Neil Gaiman e devo dizer que não foi para mim, mas The Song of Achilles fez-me ressuscitar o gosto por livros com mitologia grega.

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Neste livro, vamos conhecer uma nova perspetiva, ou interpretação (não sei bem como lhe chamar) da história de Achilles e Patroclus. Patroclus é um príncipe desajeitado, que acaba por ficar exilado em Phthia, cidade reinada por Peleus, pai de Achilles, depois de cometer um homicídio involuntário. É desta forma que Achilles e Patroclus se conhecem e começam a desenvolver uma grande ligação. Entretanto, acabam por sair do castelo de Phthia, para irem aprender as artes da guerra e da medicina com o centauro Chiron e é durante estes anos que a sua amizade se desenvolve para algo mais. Acontece que Thetis, ninfa do mar e mãe de Achilles, é contra esta relação, por acreditar que Patroclus não é bom o suficiente para o filho.

A vida destes dois jovens decorre, apesar disso, na normalidade, até ao dia em que Helena é raptada e todos os heróis da Grécia são convocados para tomar a cidade de Troia. É neste momento que Achilles e Patroclus partem para a guerra e é lá que se passa o resto da história.

I could recognize him by touch alone, by smell; I would know him blind, by the way his breaths came and his feet struck the earth. I would know him in death, at the end of the world.

Este livro apanhou-me de surpresa, porque, de um momento para o outro, passei de querer desistir dele para estar tão viciada que não conseguia parar de ler. Para perceberem o nível, acho que demorei uma semana a ler 20 ou 30% e 3 dias a ler o resto 😅

A escrita de Madeline é incrível e transporta-nos sem dificuldade para os ambientes que descreve. Além disso, criou uma ligação tão bonita entre Achilles e Patroclus, o amor deles é tão genuíno, que se torna difícil não querermos continuar a ler esta história tão comovente. Acho que isso é o que distingue este livro, não se foca na guerra de Troia, nem mesmo nos deuses e na sua fúria, foca-se na ligação inesperada destes dois jovens e em como qualquer um deles é capaz de mover deuses e troianos pelo outro (sim, fiz aqui um trocadilho 😂).

Posso dizer que foi um livro que me destruiu por completo. Era suposto saber como a história acabava, mas não sabia e fiquei destroçada quando aconteceu. Não vou dar spoilers, vou só dizer para irem preparados para acabarem esta história e ficarem deprimidos por dias. Apesar disso, adorei o final do livro e acho que não podia haver melhor forma de fechar a história de Patroclus e Achilles.

Chiron had said once that nations were the most foolish of mortal inventions. “No man is worth more than another, wherever he is from.”

Caso ainda não tenha dado para perceber, recomendo muito este livro. Começo a notar um padrão nos romances que leio e adoro porque este livro fez-me lembrar, de certa forma, Call Me By Your Name e acho isso interessante. Mas isto para dizer que gostei muito deste livro e acho que é uma ótima escolha para quem quer começar a ler sobre mitologia grega!

                   

Avaliação: 9/10

Qui | 08.04.21

No Limiar da Eternidade, de Ken Follett

E eis que, ao fim de quase 3 000 páginas, chego ao fim da trilogia O Século, de Ken Follett. Posso dizer que foi uma trilogia que me enriqueceu imenso e que, ao fim de todas estas páginas, sou capaz de ter aprendido mais do que ao longo dos 3 anos de História que tive na escola. No Limiar da Eternidade é o último volume desta trilogia e posso dizer que não havia melhor maneira de a ter terminado do que com este livro, que nos traz uma visão completa sobre os últimos anos do século XX.

Disclaimer: para quem ainda não leu os artigos sobre A Queda dos Gigantes e O Inverno do Mundo aconselho a lerem antes deste.

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A narrativa começa com a construção do Muro de Berlim, em 1961, e termina exatamente com a queda do muro, em 1989, e voltamos a encontrar as nossas já conhecidas cinco famílias. Rebecca Hoffman vive com a família na Alemanha de Leste e é quando descobre que anda a ser perseguida pela polícia secreta que a sua vida dá uma reviravolta. Walli, o seu irmão, está farto da vida opressiva no lado leste do muro e procura uma forma de o transpor e partir para Londres, onde quer ser músico. Viajando para os Estados Unidos, conhecemos George Jakes, um jovem afroamericano que trabalha com o presidente Kennedy e que participa ativamente na luta pelos Direitos Civis. Uma das suas grandes amigas, Verena, trabalha diretamente com Martin Luther King. Na Rússia, conhecemos os gémeos Tania e Dimka Dvornik com opiniões muito dissonantes, mas cada um com o seu papel na política nacional: Tania é ativista e ajuda a publicar um jornal clandestino de crítica ao governo; Dimka é uma figura em ascensão no seio do Partido Comunista, no Kremlin.

The greater their ignorance, the stronger their opinions.

Feitas as apresentações, somos levados a uma viagem incrível pelos principais acontecimentos históricos desta última parte do século: desde a construção do muro, à crise dos mísseis em Cuba, à luta da população afroamericana por direitos iguais, à vida dos irmãos Kennedy, aos incríveis discursos de Martin Luther King e ao declínio do comunismo soviético. Passamos ainda por campos de trabalhos forçados na Sibéria, ou pela Guerra do Vietname. Além de todos estes acontecimentos históricos, Follett dá-nos a conhecer a cultura pop que surgiu nestes anos, ou o desenvolvimento da ideia da libertação sexual e da igualdade de género que houve na segunda metade do século XX. Conhecemos, ainda, personagens com um amor incondicional pela música, com cenas que são capazes de nos fazer vir as lágrimas aos olhos, ou famílias separadas pelo Muro de Berlim e vivemos completamente o seu sofrimento.

A man hates the person he has wronged, paradoxically. I think it’s because the victim is a perpetual reminder that he behaved shamefully.

A white American can orbit the earth, but a black American can’t enter a restroom.

Com isto, quero dizer, essencialmente, que aconselho a 100% a leitura desta trilogia. Ken Follett tem uma capacidade espantosa e engenhosa de ligar a História mundial à vida das personagens que cria e fez-me aprender mais sobre estes períodos de uma forma fluída e nada forçada. É, sem dúvida alguma, uma obra incrível e dá-nos uma visão completa de todos os acontecimentos, já que muitas vezes nos são dados a conhecer os dois lados da barricada. Agora não me restam dúvidas de que vou voltar a ler este autor, só falta decidir qual o livro e quando. Recomendações?

                   

Avaliação: 8/10