O Retorno, de Dulce Maria Cardoso
Já queria ler Dulce Maria Cardoso há muito tempo e, com o ano de 2020 a acabar, achei que era uma boa altura para, finalmente, pegar num livro da autora. Queria ter começado com o livro Eliete, mas O Retorno já andava cá por casa e decidi começar por esse. Confesso que o tema não me dizia tanto, talvez por não ter vivido nessa altura, mas este livro acabou por se revelar um choque de cultura, porque percebi o quão pouco a maioria das pessoas da minha geração sabe sobre os retornados e tudo o que aconteceu naqueles anos depois do 25 de abril.
A história d’O Retorno começa em 1975, em Angola, quando conhecemos Rui, o narrador da história, os pais e a irmã. Rui e a família preparam-se para deixar para trás toda uma vida e partir para a Metrópole, depois de o período pós-revolução deixar todos os “brancos” que viviam nas ex-colónias portuguesas numa situação precária.
Depois de chegarem a Lisboa, ficamos a conhecer as dificuldades por que milhares de famílias retornadas passaram, ao chegarem a uma cidade desconhecida sem dinheiro, sem comida, sem roupa, sem alojamento, praticamente sem nada. Rui e a sua família vivem, juntamente com várias outras famílias de retornados, durante mais de um ano num hotel de 5 estrelas sobrelotado, onde as condições não são as melhores e onde vivenciam a crescente hostilidade que lhes é dirigida.
Estavam lá retornados de todos os cantos do império, o império estava ali, naquela sala, um império cansado, a precisar de casa e de comida, um império derrotado e humilhado, um império de que ninguém queria saber
Achei este livro, acima de tudo, revoltante. Sinto que não nos é dada cultura suficiente sobre como as coisas aconteceram, como foi difícil para aquelas famílias voltarem a um país onde não eram bem-vindos. É uma realidade dura e é-nos mostrada através da visão de um adolescente, que vê tudo a acontecer à sua volta, todas as discussões de pessoas a favor e contra a revolução e que tenta lidar com a revolta que sente por ter abandonado tudo no sítio a que chamava “casa”, para vir para uma cidade cinzenta e hostil. No geral, senti que gostei do livro, embora tivesse alguma dificuldade a estabelecer empatia com as personagens. Vim a perceber que isso aconteceu por duas razões. A primeira foi sentir que não tenho cultura suficiente para perceber na totalidade tudo o que é descrito e falado na história e a segunda foi o facto de a história me parecer tão dura que tive dificuldades em identificar-me com o que se passava.
Os de cá gostam cada vez menos de nós, andámos lá a explorar os pretos e agora queremos roubar-lhes os empregos, além de estarmos a destruir-lhes os hotéis, a destruir a linda metrópole que nunca mais vai ser a mesma
A escrita da autora é muito própria, faz um uso das vírgulas muito característico e isso acabou por se revelar uma surpresa agradável. Há quem diga que Dulce Maria Cardoso tem uma escrita cansativa, mas eu acho que dá uma fluidez à narrativa interessante e que é uma questão de hábito. Não sei se será bem a melhor comparação, mas fez-me muito lembrar a escrita corrida de Saramago, que eu admito que, a partir do momento em que me habituo, adoro!
Aconselho muito este livro a qualquer pessoa. Acaba por ser uma leitura rápida e dá-nos uma visão que não é muito comum sobre como foi a vida de milhares de retornados depois do 25 de abril. Foi há 46 anos que isto aconteceu em Portugal, mas a verdade é que, infelizmente, a situação dos refugiados é parecida e é uma realidade muito atual no mundo, o que torna esta leitura ainda mais essencial
Avaliação: 7,5/10